
O relógio despertou, são 6:30 da manhã. Hoje é 14 de Abril de 2017. Minha aula da faculdade começa as 7:10. Mais uma noite sem dormir direito, já era a terceira noite aquela semana. Meu quarto todo bagunçado, na cozinha a pia cheia de louças sujas e uma caixa de pizza, que eu havia comido inteira na noite passada durante a crise. Escovei meus dentes depressa para evitar olhar para o espelho de relance. Peguei minha mochila, que estava no mesmo lugar desde que eu cheguei na noite passada.
Desci apressado para a aula, mesmo acordando cedo sempre chegava um pouco depois do horário. Tentava prestar atenção mas não conseguia, era a falta de sono. Já não estava entendendo o que o professor falava sobre aquela matéria desde a segunda aula. Suas explicações eram um pouco confusas e eu não queria falar que eu não entendia. Então prefiro fingir que estou prestando atenção. Mas eu estava com sono. E acabei dormindo. Quando tentava prestar atenção minha cabeça divagava para outro lugar. Só estava de corpo presente naquele lugar. Pelo menos na aula meus pensamentos se ocupavam com outras coisas e eu podia descansar um pouco. Pelo menos no meio de mais pessoas, meus pensamentos não eram tão cruéis comigo.
Nos intervalos, eu sorria e brincava o tempo todo com meus colegas. Sempre soube aparentar felicidade, mesmo quando as coisas não estavam tão bem. Ninguém gosta de uma pessoa triste. Nesses momentos onde eu sorria e brincava, aquele pontinho preto no meu coração quase parecia não existir. Quase.
No final da aula, íamos em bando almoçar no refeitório da Universidade. Ríamos no caminho, ríamos na fila e durante todo o almoço. Eu queria que aqueles momentos durassem para sempre. Era sempre bom não estar sozinho. Mas o almoço terminou e cada um foi para sua casa. Era sexta-feira. Alguns iriam viajar. E era hora de eu voltar para minha. Mas eu estava bem. Estava recarregado de energias dos meus amigos, hoje eu sentia que as coisas seriam diferentes.
Enquanto atravessava a rua no caminho de volta eu planejava todas as coisas que eu faria. Vou fazer os exercícios daquele professor que sempre é legal comigo e vou voltar as aulas passadas e entender onde eu me perdi. Eu vou ser o melhor aluno esse semestre. Vou deixar todo mundo feliz e orgulhoso de mim. Quando eu for alguém importante, todas as pessoas vão gostar de mim. E pra isso eu só preciso ser o melhor aluno.
Chego em casa e coloco a mochila no sofá. Pego a caneta, o caderno e o livro. Sento na cadeira para estudar. Quando eu abro o livro, não consigo me mexer. Como se as palavras que estavam ali não fizessem sentido para mim. Leio e percebo que não entendo a pergunta, muito menos o que eu preciso fazer. Mexo na cadeira, meus olhos começam a procurar alguma outra coisa para se concentrar e percebo o quanto o meu quarto está bagunçado. É por isso. Não consigo estudar porque meu quarto está bagunçado. Vou arrumar meu quarto primeiro e volto para estudar.
Abri as janelas, arrumei a cama, recolho as embalagens de bolacha que estavam próximas da cama e levo o lixo até a cozinha. Então vejo meu celular na mesa e pego para ver se alguém me mandou mensagem. Olho e algumas pessoas mandaram, mas nada importante. Vou parar para assistir um vídeo um pouquinho. Daqui a pouco eu volto para limpar o quarto. E depois estudar.
Quando percebo, algumas horas se passaram e eu ainda estou no mesmo lugar. Tenho vontade de jogar no computador, mas não posso. Preciso limpar meu quarto e estudar.
Me levanto, vou para o quarto e me sento na cadeira para estudar. Estou mais inquieto e mais paralisado do que a primeira vez. Meus pensamentos nesse momento já estavam muito duros comigo. "Você não consegue. Que ambição tola de ser o melhor aluno. Você não consegue nem prestar atenção na aula, como vai estudar? Não adianta, você nunca conseguiu estudar."
Me levanto e vou fazer alguma outra coisa. Estou com fome. Abro a geladeira para ver o que têm e encontro pão com presunto e queijo. Vou fazer um misto. Comi o primeiro. O segundo. O terceiro. Já estou cheio, mas está gostoso. Então como o quarto. E o presunto acabou. Então é melhor parar.
Penso em estudar, mas já esta tarde. E meus pensamentos me dizem: "Mais um dia que eu desperdicei. Mais uma vez eu não estudei. Eu nunca vou ser alguém na vida. Eu não consigo fazer nada. Eu sou um inútil. Como alguém pode gostar de mim assim?"
Abro meu celular e desço nos meus contatos para mandar mensagem para alguém. Ver alguém seria bom para mim. Mas não quero incomodar. Abro o celular e vejo mais um vídeo. Mas não tem problema dessa vez. Esse dia eu já perdi mesmo.
Uma hora se passou. Continuo no mesmo lugar. Os vídeos já não prendem mais minha atenção. As paredes do meu quarto parecem chegar mais perto. Percebo o pontinho preto no meu coração crescer. Meus pensamentos correm acelerado, minha cabeça dói. Penso em tudo e em nada ao mesmo tempo. Meus pensamentos me dizem coisas ruins. Sinto vontade de alguma coisa que alivie esse vazio. Mas eu não quero. Eu sempre me sinto muito mal quando eu assisto pornografia. Hoje eu não vou ceder. Hoje eu vou lutar. Hoje eu vou fazer diferente. Deixo o celular na cama e saio do quarto as pressas.
Mas eu não tenho pra onde ir. Caminho de um cômodo para o outro. Com uma inquietação que não passa. Porque ninguém gosta de mim? Porque eu não gosto de mim? O silêncio me faz mal. A solidão me machuca. Meus pensamentos são ruins. Queria poder sair da minha cabeça por um momento.
Eu já desperdicei esse dia mesmo. Que mal pode fazer assistir pornografia só mais hoje? Não faço mal para os outros, só para mim mesmo. Nesse momento, posso perceber que o antes era um pontinho preto, agora me consome por inteiro. Todo o meu coração. Dos pés a cabeça. Eu sou só vazio por dentro.
Amanhã eu prometo que vou estudar e fazer tudo direitinho. E não vou mais me sentir assim. Amanhã vou sair de casa e ver as pessoas. E os pensamentos não vão mais me pegar. Amanhã tudo vai ser diferente. Eu vou ser alguém na vida e as pessoas vão gostar de mim. Ai eu não vou me sentir mais sozinho. Os pensamentos vão parar. Hoje é o último dia. Eu prometo que é. Amanhã eu vou me amar. Amanhã vou fazer tudo diferente.
Só que nunca era a última vez. E com o passar dos dias, menos importante eu me sentia. Menos alguém eu parecia ser. Os dias que mais doíam eram aqueles onde eu fazia tudo certo. Ficava o dia todo na faculdade, ia para a biblioteca estudar, fazia os exercícios e trabalhos, mas por um deslize, um pequeno deslize, tudo desmoronava. Os pensamentos ruins chegavam com muita força. E eu me sentia muito sozinho, sem forças para lutar com aquilo. E eu assistia pornografia mais uma vez. E a cada vez eu me sentia mais sujo. Mais indigno de amor. E o vazio dentro de mim aumentava. E para lidar com o vazio eu comia. Descontroladamente. Como que para tampar um buraco que não tinha fundo. E quando eu não conseguia mais comer, eu me sentia culpado. Ainda mais culpado. E os pensamentos ficavam ainda mais cruéis. E o ciclo se repetia. Por muitas vezes. Até eu conseguir dormir. O que havia de errado comigo?
E no domingo, após ter passado inúmeros ciclos desses, quando o vazio não tinha mais nada para consumir. Eu decidi fazer alguma coisa. Eu não queria passar por aquilo novamente. Juntei todos os pedaços de mim. Abri a porta e caminhei até o apartamento 301, eu sabia que uma menina da minha cidade morava lá.
E bati.
Quando ela abriu a porta, fez um olhar assustado quando me viu. E como se algo saísse das profundezas da minha alma em pedaços:
-"O que é amor-próprio?", lhe perguntei.
Nota: Se você se sente como eu me sentia, fale com as pessoas mais próximas. Procure um psicológo ou um profissional da saúde qualificado. As vezes pensamos que não, mas existem muitas pessoas para as quais você é importante.
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